Autor: Carlos Augusto de Oliveira Fernandes (Mestre e Doutor em Dentística (FOB-USP). Pós-doutorado – Departamento de Biomateriais e Biomimética – New York University. Professor de Dentística – Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem / UFC. Professor do Programa de Pós-Graduação em Odontologia (FFOE/UFC))
Resumo
A descoloração dental é relativamente comum, tendo uma etiologia multifatorial com alteração de cor nas estruturas dentais comprometendo de forma significante a estética. Portanto, um correto diagnóstico desta alteração é de grande importância para definir um plano de tratamento adequado. Atualmente, os pacientes procuram um tratamento estético, e essa demanda levou ao desenvolvimento de diferentes materiais e técnicas de clareamento capazes de restabelecer a cor sem afetar a estrutura dentária. O presente trabalho se propõe a demonstrar uma solução terapêutica conservadora para restabelecer a cor natural de dois incisivos centrais superiores escurecidos após tratamento endodôntico, através de clareamento interno mediato, utilizando mistura de perborato de sódio e peróxido de hidrogênio a 20% (Whiteness Perborato, FGM, Joinville, SC, Brasil). Após as sessões de clareamento mediato e restaurações estéticas diretas foi possível devolver a estética natural dos dentes. O caso clínico encontra-se em preservação clínico-radiográfica, apresentando um indicativo de sucesso do tratamento clareador proposto.
Proposição
Demonstrar uma solução terapêutica conservadora para restabelecer a cor natural de dois incisivos centrais superiores escurecidos após tratamento endodôntico, através de clareamento interno mediato, utilizando-se uma mistura de perborato de sódio e peróxido de hidrogênio a 20%.
Revisão da literatura
Os padrões de beleza atuais exigem dentes alinhados e com tonalidades mais claras, entretanto, dentes não-vitais podem apresentar alteração de cor, comprometendo este padrão e acarretando um impacto negativo no convívio social, no ambiente de trabalho e na saúde psíquica das pessoas.
A alteração de cor dos dentes varia em relação à etiologia, a localização e a severidade, e um correto diagnóstico desta alteração é de grande importância para a escolha do melhor tratamento que deve ser realizado. As alterações de cor podem ser classificadas em intrínsecas, extrínsecas ou uma combinação das duas, de acordo com a localização e etiologia. As manchas extrínsecas geralmente são adquiridas do meio, após a erupção do dente e estão relacionadas aos alimentos e produtos com potencial corante como café, chá, cigarro, associados ao acúmulo de placa, rugosidade superficial, presença de trincas, fendas, entre outros. Já as manchas intrínsecas podem ser congênitas ou adquiridas e ocorrem após mudanças estruturais na composição ou espessura dos tecidos dentais duros.
Nos dentes vitais, o escurecimento pode ser natural, fisiológico ou provocado pela ingestão excessiva de algum medicamento como a tetraciclina ou fluoretos.
Para os dentes não-vitais, a causa mais frequente do escurecimento dental consiste em necrose pulpar, na decomposição tecidual, e na permanência de sangue decorrente da ruptura dos vasos sanguíneos como resultado da invasão de hemácias e hemólise no interior dos túbulos dentinários. Esta hemorragia pulpar pode ocorrer após um trauma, tendo como característica inicial uma coloração rosada, e quando o dente perde a vitalidade pode causar uma descoloração acinzentada decorrente da decomposição do sangue.
Entretanto, a etiologia da alteração cromática também pode ser decorrente dos procedimentos operatórios como o acesso inadequado à câmara pulpar, a remoção incompleta do conteúdo da cavidade e a utilização de fármacos e materiais obturadores. As causas relacionadas com o acesso inadequado à câmara pulpar e à utilização de fármacos de maneira incorreta são considerados como causas iatrogênicas da alteração cromática dos dentes e estão incluídas no grupo das manchas intrínsecas adquiridas.
O escurecimento dos dentes não-vitais pode ser corrigido através de técnicas de clareamento dental. O prognóstico do clareamento baseia-se no tipo e na causa da alteração de cor, no tipo de clareamento, na concentração e no tempo de aplicação do agente clareador. De um modo geral, a alteração de cor devido à hemorragia e restos teciduais ou produtos da degeneração pulpar tem um prognóstico relativamente bom. O escurecimento causado pela penetração e precipitação de sais metabólicos, medicamentos e cimentos contendo prata e materiais de restauração é mais difícil de ser corrigido satisfatoriamente.
A técnica “walking bleach” é amplamente difundida e continua sendo utilizada nos dias de hoje, sendo considerada um método efetivo de clareamento de dentes não-vitais, e seus resultados possuem boa taxa de sucesso após anos do término do tratamento. O primeiro relato desta técnica foi em 1938, onde foi utilizado perborato de sódio misturado a água destilada. Em 1976, Nutting & Poe modificaram esta técnica utilizando uma pasta de perborato de sódio com peróxido de hidrogênio a 30% na câmara pulpar, com trocas periódicas até a obtenção da cor desejada.
Relato de caso clínico
Paciente, 38 anos de idade, gênero feminino, chegou à Clínica de Dentística da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do Ceará relatando, como queixa principal, o escurecimento dos incisivos centrais superiores.
Ao exame clínico, a paciente apresentava os incisivos centrais superiores bastante escurecidos e foi observado após anamnese que estes dentes já haviam recebido tratamento endodôntico após uma pulpite irreversível causada por uma cárie profunda. O exame radiográfico indicava ausência de lesão periapical e tratamento endodôntico satisfatório. A história médica da paciente não contraindicava qualquer procedimento odontológico.
O plano de tratamento para este paciente envolveu clareamento interno dos incisivos centrais superiores utilizando peróxido de hidrogênio a 20% e perborato de sódio (Whiteness Perborato, FGM, Joinville, SC, Brasil) e substituição das restaurações diretas com resina composta (Opallis, FGM, Joinville, SC, Brasil) destes elementos depois de finalizado o clareamento.
Após anamnese, exame clínico e exame radiográfico, foi iniciado o tratamento clareador propriamente dito. Realizou-se isolamento absoluto do campo operatório e a abertura coronária dos dentes, onde se constatou a presença de guta percha no interior da câmara pulpar, sendo identificado como um dos fatores etiológicos do escurecimento dental (Fig. 5). Como controle da profundidade de desobturação dos condutos radiculares, foi medida a altura das coroas clínicas e a partir desta medida foi realizada a limpeza das câmaras pulpares e a desobturação de 3mm, utilizando broca de Peeso com um “stop” para medição (Figs.6 a 8).
A embocadura dos dentes foi, então, selada com um tampão cervical de cimento de ionômero de vidro (Maxxion R, FGM, Joinville, SC, Brasil), numa espessura média de 3mm, localizada na altura da junção cemento-esmalte (Figs. 9 e 10). O cimento de ionômero de vidro foi manipulado de acordo com as instruções do fabricante e utilizou-se uma seringa centrix para sua aplicação no interior do canal. Este selamento foi realizado com a finalidade de evitar a difusão dos produtos clareadores além da câmara pulpar no sentido apical e tecidos periodontais.
Realizou-se condicionamento com ácido fosfórico a 37% por 20 segundos na câmara pulpar, lavando por 1 minuto, previamente ao clareamento com a finalidade de remover a “smear layer”, aumentar a permeabilidade dental e para facilitar a penetração do agente clareador na dentina intra-coronária (Fig 11).
Utilizou-se uma mistura de perborato de sódio e peróxido de hidrogênio a 20% (Whiteness Perborato, FGM, Joinville, SC, Brasil), obtendo uma pasta com consistência espessa, a qual foi colocada dentro das cavidades, preenchendo as câmaras pulpares (Fig. 16).
Para facilitar a colocação da restauração provisória em resina composta sobre o material clareador, foi utilizada uma técnica proposta pelo autor Prof. Dr. Carlos Fernandes, onde foi obtido um tampão de papel absorvente impregnado com adesivo polimerizado e recortado ligeiramente menor que o tamanho do acesso da câmara pulpar. Este tampão, por ser impermeável, tem a finalidade de facilitar a colocação do sistema adesivo e da resina composta na confecção da restauração provisória (Figs. 12 a 15).
Os tampões de papel absorvente foram posicionados na entrada da abertura coronária, fazendo um selamento da cavidade (Fig.17). Os dentes foram submetidos à aplicação do sistema adesivo nas bordas da abertura que também foram polimerizadas e procedeu-se a realização das restaurações de resina composta (Opallis, FGM, Joinville, SC, Brasil) sobre o anteparo realizado com os moldes de papel absorvente, concluindo, assim, o selamento da cavidade.
Esta pasta foi mantida como curativo de demora por 7 dias e trocada por 4 vezes até a obtenção da cor desejada. Após o clareamento dos dentes, foi colocada uma pasta de hidróxido de cálcio nas câmaras pulpares, que foi mantida por quinze dias com a finalidade de neutralizar o pH do meio e permitir a total liberação de oxigênio presente na estrutura dental.
Para finalizar o tratamento, foram realizadas restaurações diretas em resina composta (Opallis, FGM, Joinville, SC, Brasil) nas câmaras pulpares e a substituição das restaurações nos ângulos mesiais dos dentes clareados (Figs. 20 e 21).
Três anos após o término do tratamento clareador e restaurador, solicitou-se o retorno da paciente para um acompanhamento clínico. Verificou-se que não havia nenhuma necessidade de retoque nas restaurações e sem alteração da cor dos dentes, apenas foi realizado um polimento (Figs. 21 e 22).
Discussão
O clareamento dentário baseia-se em devolver a cor natural dos dentes, restabelecendo a estética e a harmonia, tão importante nos dias atuais, sem alterar os tecidos periodontais e dentais.
Os materiais clareadores possuem alto poder de penetração nos tecidos dentários, mas esta capacidade de difusão depende da natureza do agente penetrante, do tecido dentário, da superfície da área exposta e de sua localização, bem como da espessura da dentina remanescente, da presença de “smear layer” e da temperatura.
Na tentativa de evitar a difusão dos produtos clareadores na superfície externa na junção amelocementária e prevenir uma resposta inflamatória nos tecidos periodontais circunvizinhos, indica-se a colocação de uma base protetora cervical antes da colocação do agente clareador. Existe uma grande variedade de materiais que podem ser utilizados para a confecção da base ou tampão no selamento do canal radicular durante as técnicas de clareamento interno como o cimento de ionômero de vidro, cimento à base de óxido de zinco e eugenol, cimento de óxido de zinco sem eugenol e resina composta. Alguns trabalhos compararam vários materiais utilizados no tampão cervical, demonstraram que o cimento de ionômero de vidro foi o que obteve melhores resultados, apresentando menor grau de infiltração, concordando com Rotstein et al e Oliveira et al, que também acreditam que o cimento de ionômero de vidro é eficaz para prevenir a infiltração da solução de peróxido de hidrogênio no canal radicular. Foi também verificado que 2mm de material selador no tampão cervical é suficiente para reduzir de forma significante a microinfiltração e penetração do material clareador na dentina radicular.
Inicialmente, a técnica de clareamento mediato era realizada utilizando perborato de sódio com água, entretanto quando se utiliza o perborato de sódio misturado com peróxido de hidrogênio, o efeito é potencializado e são obtidos melhores resultados do clareamento.
Após a obtenção da cor desejada e o término do tratamento clareador, geralmente é colocado uma pasta de hidróxido de cálcio na câmara pulpar com o objetivo de neutralizar o pH ácido que pode ocorrer na região da junção amelo-cementária após a aplicação de agentes clareadores, dificultando ou mesmo inibindo a atividade dos osteoclastos e com isso prevenindo uma possível reabsorção externa, além de favorecer a reparação de alguma danificação no ligamento periodontal.
CONCLUSÃO
Muitos dentes tratados endodonticamente podem ser clareados com sucesso, desde que seja feito um correto diagnóstico, avaliando as indicações específicas e realizando um plano de tratamento correto. O clareamento dental é um procedimento estético, não invasivo, que evoluiu consideravelmente na última década. O desenvolvimento de novas técnicas para sua aplicação trouxe mais conforto para o paciente e novas perspectivas para o cirurgião-dentista.