Autor: José Carlos Garófalo (Coordenador dos Cursos de Especialização em Dentística EAP-APCD São Paulo e Atualização em Odontologia Estética e Adesiva, APCD – Jd. Paulista / Especialista e mestre em Dentística)
O conceito de Odontologia Restauradora minimamente invasiva indiscutivelmente trouxe inúmeros benefícios para pacientes e profissionais. A possibilidade de associarmos materiais restauradores estéticos a estruturas dentais hígidas ou pouco desgastadas certamente foi um dos grandes avanços incorporados na prática clínica e atribuiu um caráter muito mais biológico a tratamentos antes considerados apenas estéticos ou estético-funcionais. Um outro grande benefício destes conceitos foi adequar os protocolos de desgaste às necessidades de cada dente e a estudos prévios da forma, tamanho e alinhamento desejados para os dentes que seriam restaurados. Atualmente, os planejamentos reversos, baseados nestes estudos e em enceramentos de diagnóstico e mock-ups, permitem que as estruturas dentais não sejam desnecessariamente desgastadas a fim de se conseguir o resultado estético e funcional desejado. Estes conceitos, contudo, não trazem somente benefícios aos profissionais. Funcionam muito bem quando tratamos arcadas cujos dentes envolvidos têm estruturas com cor e integridade tecidual semelhantes e quando todos os dentes tratados irão receber o mesmo tipo de restauração, confeccionadas com o mesmo tipo e espessuras semelhantes de resinas ou cerâmicas. Muitas situações trazem, entretanto, dentes da mesma arcada com níveis de descoloração ou destruição diferentes, diferentes materiais de preenchimento e, inclusive, diferenças quanto à presença ou não de tratamentos endodônticos e retentores intrarradiculares. Nestas situações, tomar à risca os conceitos de mínima intervenção certamente trará ao clínico e ao técnico de laboratório, desafios muito maiores na busca de satisfazer as expectativas estéticas de seus pacientes. Uma situação bem favorável é reabilitar uma arcada com laminados em dentes com coloração homogênea.
Desgastes de espessura parecida, lâminas de cor e translucidez semelhantes certamente colaboram para a obtenção de excelentes resultados. Contudo, trabalhar numa arcada onde se apresentam no mesmo segmento dentes pouco restaurados, sem alteração cromática mas adjacentes a dentes com coroas já instaladas e núcleos metálicos fundidos torna estes tratamentos muito mais desafiadores e seus resultados, às vezes, frustrantes. Estes casos requerem desgastes diferenciados frente à situação de cada dente e também a indicação de cerâmicas de características ópticas e mecânicas diferentes, compatíveis com a estrutura de cada elemento a ser restaurado. O uso de cimentos resinosos com diferentes níveis de opacidade e translucidez, variedades de cores e com pastas de prova tipo Try-in, tornou-se uma ferramenta fundamental para que o conceito de invasão mínima possa ser aplicado e o resultado estético desejado alcançado.
Relato de caso
Paciente do sexo masculino, 42 anos de idade, relata insatisfação estética com sorriso. A queixa principal descreve insatisfação com tamanho desigual e cor dos dentes, presença de espaços interproximais e irregularidade das restaurações em resina presentes. Ao exame clínico, são evidenciadas restaurações em resina composta nos terços médios e incisais dos dentes 11, 21 e 22. Estas restaurações foram executadas a fim de restabelecer forma e tamanho perdidos por desgaste funcional e ausência das guias de desoclusão em lateralidade. Os caninos também apresentam severo desgaste incisal. O dente 12 apresentava uma coroa metal-free cerâmica de coloração bem mais clara que os demais dentes anteriores. (Figs. 1-4).
Como proposta de tratamento deste segmento de arco foi sugerida a execução de enceramento de diagnóstico seguido de mock-up com resina bisacrílica, para que o paciente pudesse avaliar os novos tamanhos e forma de dentes sugeridos, bem como sua harmonia de sorriso e facial. (Figs. 5-8).
Aceito o planejamento, o primeiro passo tomado foi a remoção da coroa do dente 12, para avaliação do substrato dental. Constatou-se a presença de núcleo metálico fundido em ouro e remanescente dentário cervical extremamente escurecido, situação de grande desafio restaurador. (Figs. 9 e 10).
Após a realização do mock-up, verificou-se que a simples remoção das restaurações em resina e uma redução axial mínima das faces vestibulares, da ordem de 0,2mm, com um suave término cervical em chanfro e arredondamento dos ângulos próximoincisais, seria o suficiente para que se confeccionassem laminados cerâmicos com cerca de 0,6mm de espessura, estabelecendo novas guias de desoclusão em lateralidade e protrusiva, além de propiciar o resultado estético desejado pelo paciente. No dente 12, o preparo já existente foi regularizado e polido, evitando-se estender o limite cervical para níveis mais subgengivais. (Fig. 11-14). Para o refinamento dos preparos foi inserido fio retrator Pro-Retract #000 e para a moldagem, mais um fio #0 (Fig. 15).
Os provisórios dos laminados foram confeccionados com técnica direta em resina composta Opallis cor DA1. Foram executados diretamente sobre os preparos e mantidos unidos pelas faces proximais. O paciente foi orientado quanto aos cuidados a serem tomados durante a semana entre preparos e a cimentação das peças protéticas. O provisório do dente 12 foi confeccionado de forma indireta em resina acrílica e reembasado sobre o preparo. (Fig. 16 e 17). A cor selecionada para a confecção das peças foi B1.
As lâminas de cerâmica e a coroa foram confeccionadas no sistema e-Max, sendo que todos os elementos foram executados pela técnica de cerâmica injetada de infraestrutura e posterior estratificação estética. A diferença básica entre laminados e coroa foi o fato de a coroa necessitar de uma infraestrutura absolutamente opaca (pastilha HO) para mascarar o substrato escurecido, enquanto as lâminas foram executadas em estrutura translúcida a fim de facilitar a integração estética com substratos dentais sem alteração cromática. (Fig. 18-20).
O grande desafio deste caso seria obter uma harmonia estética entre as lâminas translúcidas e a coroa opaca após a cimentação. Para isto, a fase de prova estética é fundamental. Esta prova é feita com a ajuda de pastas de prova chamadas Try-in. Estas pastas são géis hidrossolúveis que simulam as cores dos cimentos resinosos e podem ser utilizadas sem o risco de que se polimerizem por influência da luz ambiente ou dos refletores. O cimento resinoso selecionado para este caso foi o Allcem Veneer e suas correspondentes pastas Try-in. As cores inicialmente selecionadas para prova foram a Trans e a E-Bleach M.
Previamente à prova das peças, foi feito um isolamento modificado com lençol de borracha e um fio retrator Pro-Retract #000 foi inserido de forma contínua nas faces vestibulares e proximais de todos os preparos para laminados. No preparo do dente 12 o fio foi inserido da forma tradicional contornando todo o preparo. Este fio deve ficar absolutamente inserido no sulco gengival sem risco de interferir no assentamento das peças. O objetivo de sua colocação é não só manter as margens dos preparos livres de contaminação por fluidos sulculares como também impedir que o cimento resinoso escoe para dentro do sulco (Fig. 21 e 22).
A primeira fase da prova é uma prova seca e tem por objetivo conferir adaptação marginal de cada peça e também os contatos proximais entre todas elas. Nesta fase, não é possível ainda se verificar a verdadeira interação cromática entre peças e substratos dentais. Nesta fase as lâminas tendem a parecer mais claras do que realmente ficarão pós-cimentação. (Fig. 23). A prova úmida pode ser feita molhando-se substratos e laminados ou já com as pastas Try-in. Durante esta prova, a água ou a pasta de prova translúcida presente entre laminado e substrato permitirá uma difusão da luz até o substrato dental e dará certamente um aspecto mais acinzentado ao conjunto. No caso apresentado, optamos por inicialmente utilizar pastas translúcidas Trans e E-Bleach M. Notar que com ambas, os laminados dos dentes 11 e 21 já passaram a apresentar um aspecto de menor valor de cor que o dente 12, quebrando a harmonia estética do conjunto. (Fig.24-26). Desta forma, uma nova prova foi realizada com a pasta Opaque White, e o resultado foi bem mais satisfatório.
Escolhida a cor do cimento, passamos às etapas de profilaxia dos dentes, realizada com pedra-pomes, água e escova extramacia (Fig. 27) e de condicionamento das peças cerâmicas. Este condicionamento é realizado a fim de se criar as microrretenções internas das superfícies cerâmicas e também a união química adesiva da superfície inorgânica das peças à estrutura orgânica do agente de cimentação. Realizamos este condicionamento em três etapas: 1. aplicação de ácido hidrofluorídrico por 20 segundos (Fig.28), lavagem, 2. aplicação ativa de ácido fosfórico 37% por 30 segundos (Fig.29), lavagem abundante e secagem (Fig. 30) e 3. aplicação de agente de silanização por 4 a 6 minutos (Fig. 31). Os agentes de cimentação escolhidos foram: para os laminados, Cimento resinoso fotopolimerizável Allcem Veneer e para a coroa cimento resinoso dual Allcem. Todos os substratos dentais foram tratados com ácido fosfórico a 37% por 15 segundos, seguido por abundante lavagem, suave secagem e aplicação ativa de adesivo dentinário de 5ª geração Ambar (Fig. 32-34). O adesivo foi aplicado com dispositivo que gera vibração mecânica, aplicando substâncias ao dente de forma ativa (Fig. 35). Após aplicação de jato de ar por 20 segundos para volatilização dos solventes do adesivo e uniformização de película, foi feita polimerização por 20 segundos. Antes da aplicação do cimento, cada peça recebeu uma camada de adesivo que foi uniformizada com ar e não polimerizada. A camada de adesivo dentro da coroa foi a única a ser polimerizada após a uniformização com jato de ar (Fig. 36 e 37). Os dois incisivos centrais foram cimentados simultaneamente e a polimerização realizada conjuntamente (Fig. 38). Os demais elementos seguiram a mesma sequência clínica. O aspecto final após remoção dos excessos de cimento, isolamento absoluto e dos ajustes oclusais pode ser observado nas figuras 39-45. A interação estética entre elementos protéticos de diferentes graus de opacidade e espessura é um dos grandes desafios dos protocolos reabilitadores em dentes anteriores. A possibilidade de contar com recursos como cimentos cromatizados e pastas de prova certamente facilita muito o trabalho dos clínicos que se propõem a trabalhar dentro de filosofias de mínimo desgaste.
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