Reconstrução de dentes tratados endodonticamente com pino de fibra de vidro e coroa em dissilicato de lítio

Arcelino Farias Neto, Monalisa M. Queiroz Jales, Simone L. Pinheiro de Sousa e Cláudia T. Machado Cunha

Paciente do sexo masculino, 57 anos de idade.

A QUEIXA

Coroa do incisivo lateral superior direito apresentando cor diferente dos demais dentes.

ASPECTO INICIAL

Coroa metalocerâmica com aspecto esbranquiçado e opaco, com adaptação insatisfatória.

INTRODUÇÃO

Elementos dentários tratados endodonticamente apresentam características peculiares que merecem atenção especial. Primeiramente, são dentes que apresentam histórico de perda de estrutura dentária por razões diversas, tais como cárie, fratura, preparo cavitário, acesso endodôntico ou instrumentação radicular. Essa perda de estrutura dentária altera a morfologia e biomecânica do elemento dentário, tornando-o mais frágil (Shillingburg et al, 1998). Além disso, o dente despolpado é friável, pois sofre processo de desidratação e consequente redução da resistência às cargas mastigatórias. A remoção do órgão pulpar, fonte de hidratação do dente juntamente com o ligamento periodontal, torna a raiz mais sujeita a fraturas (Pegoraro, 2013).

Os pinos intra-radiculares são estruturas pré-fabricadas ou customizadas, as quais são cimentadas no interior do canal radicular de dentes tratados endodonticamente e que apresentam grande perda de estrutura dentária. Embora não aumentem a resistência do dente à fratura, os pinos intra-radiculares atuam aumentando a retenção da restauração coronária e direcionando as cargas oclusais para a raiz (Baratieri et al., 2010). Durante a seleção do tipo de pino a ser empregado, o dentista deve considerar a resistência do pino para suportar cargas mastigatórias, facilidade de colocação, compatibilidade com materiais restauradores e possibilidade de ser removido quando necessário. A escolha de um pino intra-radicular feito a partir de um material com módulo de elasticidade semelhante ao da dentina minimiza o risco de fratura radicular. Dentre os pinos pré-fabricados, aqueles que mais se destacam por aproximarem-se das propriedades da estrutura dentária são os pinos de fibra de vidro, os quais permitem melhor distribuição de cargas através da raiz, protegendo-a de futuras fraturas (Lima et a, 2007).

O presente trabalho tem o objetivo de relatar o caso clínico de um paciente que apresentava coroa metalocerâmica insatisfatória retida por núcleo metálico fundido, a qual foi substituída por coroa de dissilicato de lítio e pino de fibra de vidro.

O TRATAMENTO

O paciente procurou tratamento odontológico queixando-se da cor escurecida de sua coroa antiga e desejo de substituí-la por restauração com aparência mais natural. Durante o exame clínico, verificou-se a presença de coroa metalocerâmica insatisfatória no elemento 12 (Figura 1). Ao exame radiográfico, observou-se tratamento endodôntico adequado e presença de núcleo metálico fundido com comprimento aquém do ideal. Propôs-se como tratamento a confecção de coroa de dissilicato de lítio retida por pino de fibra de vidro (Whitepost, FGM). A coroa antiga foi removida com o auxílio de pontas diamantadas (Figura 2 e 3), enquanto o núcleo metálico fundidos foi removido com ponta ultrassônica. O diâmetro do novo pino foi selecionado de acordo com a conformação da raiz na radiografia e o guia de seleção (Figura 4). Para assegurar um comprimento adequado ao pino, sob isolamento absoluto o conduto radicular foi desobturado com brocas Gates até 2/3 do seu comprimento (Figura 5). Em seguida, o mesmo foi preparado com a fresa do kit compatível com o diâmetro do pino selecionado (Figura 6). Finalizado o preparo do conduto radicular, o pino foi provado e avaliado quanto a sua adaptação e travamento na apical.

Previamente à cimentação do pino intra-radicular, realizou-se limpeza do conduto radicular com irrigação de clorexidina a 2%. Após proteção dos adjacentes com fita teflon, o conduto radicular e porção coronária foram condicionados com ácido fosfórico a 37% (Condac 37, FGM) (Figura 7), lavados abundantemente com jatos de água, e secados cuidadosamente com o auxílio da cânula de sucção e cones de papel absorvente (Figuras 8 e 9). O adesivo (Ambar, FGM) foi aplicado friccionando-se o produto com auxílio de aplicadores extrafinos (Cavibrush Extrafino, FGM) para garantir contato com as paredes internas do conduto radicular em toda sua extensão (Figura 10). O solvente do adesivo foi evaporado através de leves jatos de ar, o excesso de adesivo removido com cones de papel absorvente (Figura 11), e o adesivo fotopolimerizado por 20 segundos. O pino foi limpo com clorexidina a 2%, e posteriormente tratado quimicamente com o agente de união silano, aguardando-se 1 minuto para evaporação do solvente (Prosil, FGM) (Figura 12). O cimento resinoso dual Allcem Core (FGM) foi inserido diretamente no interior do conduto radicular através da ponteira especial de automistura (Figura 13). Com o auxílio de uma pinça clínica, levou-se o pino (Whitepost DC 0.5, FGM) imediatamente em posição (Figura 14). Nova camada de cimento foi aplicada na porção coronária do pino, sendo o excesso de cimento modelado com uma espátula para resina composta e utilizado para confecção do núcleo de preenchimento (Figuras 15 a 17). Em seguida, o conjunto foi fotopolimerizado por 40 segundos, e aguardou-se o tempo de 7 minutos para a polimerização química (intra-radicular). Após remoção do isolamento absoluto, o dente foi preparado e moldado com silicone de adição para confecção da coroa cerâmica de dissilicato de lítio, a qual também foi cimentada com Allcem Core (Figuras 18 e 19).

DISCUSSÃO

A Odontologia apresenta hoje uma infinidade de técnicas e materiais restauradores, fato este que pode dificultar a tomada de decisão na rotina clínica. Por muito tempo, os núcleos metálicos fundidos dominaram a reconstrução de dentes tratados endodonticamente. Conhecidos pelo seu longo histórico de uso clínico na Odontologia, alta resistência mecânica, excelente radiopacidade e perfeita adaptação ao canal radicular, foram por muitos anoso material de primeira escolha para o tratamento de dentes despolpados (Pegoraro, 2013). Entretanto, as desvantagens apresentadas por este material (elevada concentração de tensões na raiz, maior risco de fratura radicular, oxidação da liga metálica) e o sucesso das técnicas de cimentação adesiva evidenciado nos últimos anos levaram a uma mudança de paradigma em favor dos pinos de fibra de vidro (Meyenberg, 2013).

Uma das principais razões para essa mudança de paradigma é o menor risco de fratura radicular apresentado pelos pinos de fibra vidro e a similaridade entre o seu módulo de elasticidade (16 a 40GPa) e o da dentina (cerca de 18GPa). Nesse sentido, os pinos de fibra absorvem a maior parte do estresse e o redistribuem equitativamente ao longo da raiz, aumentando o limiar de carga a partir do qual inicia a ocorrência de micro-fraturas (Dietschi et al, 2007). Além disso, esses pinos apresentam estética superior àquela dos núcleos metálicos, especialmente quando usados em raízes fragilizadas e com paredes finas, situação na qual os núcleos metálicos podem alterar a transmissão de luz através da estrutura dentária (Constâncio et al., 2013).

A escolha do agente de cimentação deve ser guiada por um conjunto de aspectos favoráveis, tais como modo de cura, espessura da película de cimento, solubilidade, módulo de elasticidade, escoamento e adesividade (Gerdullo et al., 1995; Miyashita et al, 2006). Neste caso clínico, a opção foi pelo cimento resino dual Allcem Core. Ideal para ser utilizado na cimentação de pinos de fibra de vidro, este cimento de polimerização dupla (dual) garante a polimerização química das regiões do conduto radicular onde a luz não alcança plenamente. Em estudo comparativo da resistência ao deslocamento de pinos cimentados com cimento resino fotopolimerizável ou dual, os pinos cimentados com cimento dual apresentaram melhores resultados (Giachetti et al, 2003).

Além disso, o Allcem Core promove um aumento da estabilidade e resistência do conjunto pino + núcleo de preenchimento, pois ao se realizar a construção do núcleo de preenchimento com o próprio agente de cimentação e no mesmo tempo operatório, forma-se um “corpo único” entre o retentor intra-radicular e o núcleo de preenchimento. Em avaliação clínica comparativa após 4 anos entre núcleo metálicos fundidos e pinos de fibra de fibra associados a núcleo de preenchimento em resina, observou-se 95% de sucesso para a técnica adesiva contra 84% para os núcleos metálicos; fratura radicular e deslocamento foram observados apenas nos casos tratados com núcleo metálico fundido (Ferrari et al., 2000).

CONCLUSÃO

O desenvolvimento de materiais com propriedades semelhantes à estrutura dentária e o emprego de técnicas adesivas ao nível coronal e radicular reforçam o remanescente dentário e otimizam a retenção e estabilidade da restauração, resultando em restaurações estética e biomecanicamente mais naturais.

GALERIA

1. Aspecto inicial do paciente. Observe a presença de coroa metalocerâmica insatisfatória escurecida no elemento 12.

1. Aspecto inicial do paciente. Observe a presença de coroa metalocerâmica insatisfatória escurecida no elemento 12.

2. A coroa metalocerâmica antiga foi seccionada na região central das faces vestibular e lingual com ponta diamantada.

2. A coroa metalocerâmica antiga foi seccionada na região central das faces vestibular e lingual com ponta diamantada.

3. Após seccionamento com ponta diamantada, um instrumento manual foi utilizado para separar as duas metades da coroa metalocerâmica.

3. Após seccionamento com ponta diamantada, um instrumento manual foi utilizado para separar as duas metades da coroa metalocerâmica.

4. O diâmetro do novo pino foi selecionado de acordo com a conformação da raiz na radiografia e o guia de seleção radiográfico.

4. O diâmetro do novo pino foi selecionado de acordo com a conformação da raiz na radiografia e o guia de seleção radiográfico.

5. Para assegurar um comprimento adequado ao pino, sob isolamento absoluto o conduto radicular foi desobturado com brocas Gates até 2/3 do seu comprimento.

5. Para assegurar um comprimento adequado ao pino, sob isolamento absoluto o conduto radicular foi desobturado com brocas Gates até 2/3 do seu comprimento.

6. Kit de fresas utilizadas para o preparo do conduto. Cada fresa corresponde a um diâmetro de pino.

6. Kit de fresas utilizadas para o preparo do conduto. Cada fresa corresponde a um diâmetro de pino.

7. O conduto radicular e porção coronária foram condicionados com ácido fosfórico a 37% (Condac 37).

7. O conduto radicular e porção coronária foram condicionados com ácido fosfórico a 37% (Condac 37).

8. Após lavagem abundante com jatos de água, utilizou-se cânula de sucção para secagem do conduto radicular.

8. Após lavagem abundante com jatos de água, utilizou-se cânula de sucção para secagem do conduto radicular.

9. O excesso de umidade presente do interior do conduto radicular foi removido com cones de papel absorvente.

9. O excesso de umidade presente do interior do conduto radicular foi removido com cones de papel absorvente.

10. O adesivo (Ambar) foi aplicado friccionando-se o produto com auxílio de aplicadores extrafinos (Cavibrush Extrafino) para garantir contato com as paredes internas do conduto radicular em toda sua extensão.

10. O adesivo (Ambar) foi aplicado friccionando-se o produto com auxílio de aplicadores extrafinos (Cavibrush Extrafino) para garantir contato com as paredes internas do conduto radicular em toda sua extensão.

11. O excesso de adesivo removido com cones de papel absorvente.

11. O excesso de adesivo removido com cones de papel absorvente.

12. O pino foi limpo com Clorexidina a 2%, e posteriormente tratado quimicamente com o agente de união Silano, aguardando-se 1 minuto para evaporação do solvente (Prosil).

12. O pino foi limpo com Clorexidina a 2%, e posteriormente tratado quimicamente com o agente de união Silano, aguardando-se 1 minuto para evaporação do solvente (Prosil).

13. O cimento resinoso dual Allcem Core foi inserido diretamente no interior do conduto radicular através da ponteira especial de automistura.

13. O cimento resinoso dual Allcem Core foi inserido diretamente no interior do conduto radicular através da ponteira especial de automistura.

14. Com o auxílio de uma pinça clínica, levou-se o pino (White Post DC 0.5) imediatamente em posição no conduto radicular do elemento 12. Uma marcação em grafite foi realizada no pino para confirmar o correto assentamento.

14. Com o auxílio de uma pinça clínica, levou-se o pino (White Post DC 0.5) imediatamente em posição no conduto radicular do elemento 12. Uma marcação em grafite foi realizada no pino para confirmar o correto assentamento.

15. Nova camada de cimento foi aplicada na porção coronária do pino para a construção do núcleo de preenchimento.

15. Nova camada de cimento foi aplicada na porção coronária do pino para a construção do núcleo de preenchimento.

16. O excesso de cimento foi modelado com uma espátula para resina composta e utilizado para confecção do núcleo de preenchimento.

16. O excesso de cimento foi modelado com uma espátula para resina composta e utilizado para confecção do núcleo de preenchimento.

17. Construção do núcleo de preenchimento com cimento resinoso dual Allcem Core. Após a polimerização do cimento, o mesmo foi preparado com pontas diamantadas para a confecção do coroas cerâmicas.

17. Construção do núcleo de preenchimento com cimento resinoso dual Allcem Core. Após a polimerização do cimento, o mesmo foi preparado com pontas diamantadas para a confecção do coroas cerâmicas.

18. Após remoção do isolamento absoluto, o dente foi preparado e moldado com silicone de adição para confecção da coroa cerâmica.

18. Após remoção do isolamento absoluto, o dente foi preparado e moldado com silicone de adição para confecção da coroa cerâmica.

19. Coroa de dissilicato de lítio cimentada com Allcem Core no elementos 12.

19. Coroa de dissilicato de lítio cimentada com Allcem Core no elementos 12.

REFERÊNCIAS

  1. BARATIERI, Luis Narciso. Odontologia Restauradora – Fundamentos e técnicas. Santos, 2010.
  2. CONSTÂNCIO, S.T. VIANA, L. B. S. SILVA, F. C. R. SILVA, J. M. GEMAQUEL, D. Pinos anatômicos – descrição da técnica e controle radiográfico após seis anos. Full Dent. Sci. 2012; 3(12): 416-423.
  3. DIETSCHI, D. DUC, O. KREJICI, I. SADAN, A. Biomechanical considerations for the restoration of endodontically treated teeth: a systematic review of the literature – Part 1. Composition and microand macrostructure alterations. Quintessence Int. 2007 Oct; 38(9):733-43.
  4. FERRARI, M. VICHI, A. F, Garcia-Godoy. Clinical evaluation of fiberreinforced epoxy resin posts and cast post and cores. Am J Dent 2000;13:15B–18B.
  5. GERDULLO, M. L. NAKAMURA, S. C. B. SUGA, R. S. NAVARRO, M. F. de L. Resistência à compressão e à tração diametral de cimentos de ionômero de vidro indicados para cimentação. Rev Odontol Univ São Paulo, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 17-22, jan./mar. 1995.
  6. GIACHETTI, L. SCAMINACI, Russo D. BERTINI, F. Use of light–curing composite and adhesive systems for the cementation of translucent fiber posts. SEM analysis and pull-out test. Minerva Stomatol 2003; 52:133–144.
  7. LIMA, R.C.L et al. Pino Anatômico: uma alternativa viável em dentes com raízes fragilizadas. Revista de Odontologia da UNESP. 2007 Ago; 36.
  8. MEYENBERG, K. The ideal restoration of endodontically treated teeth – structural and esthetic considerations: a review of the literature and clinical guidelines for the restorative clinician. Eur J Esthet Dent. 2013 Summer;8(2):238-68.
  9. MIYASHITA, Eduardo. MELLO, Andréa Trajano de. Odontologia estética: planejamento e técnica. São Paulo: Artes Médicas, 2006 p. 55-58
  10. PEGORARO, L. F. et al. Prótese Fixa. 2ed. Artes Médicas, 2013. SHILLINBURG Jr. HT, et al. Fundamentos de prótese fixa. 3 ed. São Paulo: Quintessence, p. 149/82,1998.
  11. SHILLINBURG Jr. HT, et al. Fundamentos de prótese fixa. 3 ed. São Paulo: Quintessence, p. 149/82,1998.
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